Recentemente, comecei a lecionar a disciplina de Língua Portuguesa 1 em um curso de Letras de uma universidade estadual. Nessa disciplina, é abarcado o conteúdo de Fonética e Fonologia. Durante as aulas, acabamos nos deparando também com noções de Sociolinguística, variação e mudança, já que o nível fonético é um dos mais acessíveis para o tratamento de fenômenos variáveis.
Quando apresentei, por exemplo, a velarização da lateral final [ɫ] em palavras como “mel”, “mal”, “sol”, apontando que houve uma mudança no Português Brasileiro e que, já há bastante tempo, realizamos a semivogal [w] em vez da lateral, alguns alunos apontaram exemplos de outros indivíduos de sua comunidade que ainda realizam a lateral – idosos ou descendentes de imigrantes, normalmente. Ao explicar-lhes que essa foi uma mudança recente no PB e, portanto, as novas gerações já não realizam a lateral final nessas palavras, os alunos se surpreenderam, afirmando que pensavam se tratar de realização fonética de um indivíduo analfabeto, não escolarizado.
Outros exemplos pululavam em sala, como a queda de vogais postônicas, transformando proparoxítonas em paroxítonas, como “abóbra”, “xícra”, “fósfro”, ou a inserção da semivogal [j] na conjunção “mas”, realizada como “mais”, bem como em outras palavras de classes gramaticais diversas: “Jesuis”; “nóis”; “arroiz”.
O que chamou a minha atenção, entretanto, foi sempre a atitude de estranhamento diante da variante menos prestigiada, agora exposta diretamente a eles. A maioria dos alunos nem sequer se reconhecia como falante daquela forma, atribuindo a realização sempre ao “outro”, menos escolarizado ou analfabeto, mesmo que esse outro seja diretamente relacionado a ele em sua comunidade, como os pais, os vizinhos etc.
É preciso haver a compreensão de que a conscientização de nossos alunos da educação básica acerca da variação linguística e do preconceito linguístico deve começar pela conscientização de nossos futuros professores de língua portuguesa. A sociolinguística não deve ficar restrita a uma disciplina isolada na grade curricular, mas perpassar todas as demais, tocando sempre no ensino de língua portuguesa – unidade tão plural neste país com tantas fronteiras geográficas e sociais.
Os documentos norteadores, como os PCN’s e a BNCC já explicitam a necessidade de os professores tratarem dos fenômenos variáveis em sala de aula. Continuemos, portanto, refletindo sobre o fenômeno da variação, principalmente, cultivando a autocrítica em nossos alunos, de modo que eles possam perceber que, se falam, falam a variedade do lugar em que cresceram, falam a variedade de sua própria comunidade, e isso é belo.
Autor: Welton Pereira e Silva
Doutor em Letras pela UFRJ, Mestre e Graduado em Letras pela UFV. Professor Substituto de Língua Portuguesa na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS – Cassilândia). Estagiário de Pós-Doutorado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: weltonp.silva@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6225951527694137 Orcid: 0000-0002-4693-3151