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Direitos humanos e gênero neutro: uma perspectiva linguística na construção de um currículo que contemple a diversidade

O debate sobre o uso de um gênero neutro em língua portuguesa precisa confirmar algumas hipóteses: a linguagem é sexista? É possível e adequado se usar um gênero neutro em português?

Partindo de uma perspectiva linguístico-histórica, o que encontramos é que: 1) o indo-europeu, língua matriz do latim, era povoado de palavras neutras, que nomeavam a maior parte das coisas visíveis e invisíveis; 2) O latim era, como sabemos, pródigo em palavras de gênero neutro, como o mundo é povoado de seres sem gênero (xícara, copo, mesa, luz,etc.); 3) A transformação do latim em português obedeceu a um desaparecimento gradativo do gênero neutro, que dissolveu-se em palavras aparentadas aos gêneros feminino e masculino…

Todas essas informações estão no artigo de Valéria Monaretto e Caroline Pires, “O Que Aconteceu Com O Gênero Neutro Latino?”, de 2012.

Por ele, ficamos sabendo que a semelhança vocálica é o que determinou a distribuição das palavras neutras do latim entre masculinos e femininos, o que coloca em xeque uma concepção segundo a qual essas escolhas teriam sido ideologicamente determinadas. A palavra templum, em latim, por exemplo, designava, logicamente, algo sem sexo e sem gênero (um templo)… Não seria lógico fazê-la se transformar em uma palavra feminina, vista a distância vocal entre um e a, e a proximidade vocal entre um e o

Talvez por razões semelhantes, o espanhol pronuncia árvore como masculina (el árbol), assim como agua (el agua), já que la agua e la árbol seriam cacófonos…

Isso não explica por que o mar é ambíguo, aceitando o la ou o el; tampouco por que a dor é masculina (el dolor)…

A única explicação é que essas foram escolhas foram arbitradas livremente, pelos falantes, na época da evolução das línguas…

Evolução que não terminou…

II

“Todo o mundo é composto de mudanças,/ Tomando sempre novas qualidades”, diz o verso de Camões… Sabia do que estava falando.

As mudanças, na língua, são inexoráveis como a mudança dos horizontes.

E as mudanças, na humanidade, esperáveis como uma primavera ou um outono, impõem novos currículos. Retomando o filósofo chinês Confúcio (孔子, século VI a.C.), os “nomes” precisam de constante exame, verificação de sua eficácia, de suas propriedades, e de eventuais mudanças… Trata-se de adequar a linguagem a novos horizontes. A neutralidade parece ser uma alternativa bem apropriada para se contemplar a diversidade. Porém, uma meditação sobre as possibilidades da língua (trabalho poético por natureza) também pode se revelar útil, na escolha de vocábulos e de sinais gráficos que expressem a diversidade de gêneros (vide a alternância, na língua escrita, de criações como: @, e, x, que podem ser decodificados, pelo leitor, como uma pauta musical, que oferecesse mais liberdade para o músico).

Na língua falada, a possibilidade de se esconder a vogal de gênero está quase sempre disponível. “A panela está cheia”, facilmente, transforma-se em “ ´ p´nel´ ´tá chei´ ”…   

Porém, não há nada mais poderoso do que o conhecimento da evolução de nossa língua… Esta é a arma mais eficaz para nos protegermos, nesta questão de gêneros, de indagações e de simplificações infundadas e infundáveis…

Bibliografia Consultada:

MONARETTO, Valeria N. O.; CASTRO, Caroline. O que aconteceu com o Gênero Neutro Latino? Mudança da Estrutura Morfossintática do Sistema Flexional Nominal durante a Dialetação do Latim ao Português Atual. Mundo Antigo, Ano I, V. 01, no. 02, dez. 2012. Disponível em: http://www.nehmaat.uff.br/revista/2012-2/artigo09-2012-2.pdf. Acesso em: 03/01/22.

NOLT, James H. The Rectification of Names. World Policy, out. 2016. Disponível em: http://worldpolicy.org/2016/10/13/the-rectification-of-names/. Acesso em: 03/01/22.

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO. Justiça curricular levanta debate sobre desigualdade escolar e social.   Disponível em: https://metodista.br/noticias/justica-curricular-levanta-debate-sobre-desigualdade-escolar-e-social. Acesso em: 03/01/22.

PHILOSOPHY OF LANGUAGE IN CLASSICAL CHINA. Disponível em: https://philosophy.hku.hk/ch/lang.htm. Acesso em: 03/01/22.

SAUL, Ana M. A. A Avaliação Educacional. Disponível em:  http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_22_p061-068_c.pdf. Acesso em: 03/01/22.

SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral. São Paulo : Cultrix, 2012.

Autora: Ana Katryna Cabrini, Dra. Pertence ao grupo FORPROLL e à Academia Bauruense de Letras. Preside, há onze meses, A Casa da Escritora, em Duartina-SP, e leciona Inglês para as escolas da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, Diretoria de Ensino de Bauru.

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